sexta-feira, fevereiro 08, 2008

Olhos da Terra. Olhos de Deus.

By André W. Nasser
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Fui na floresta outro dia.

Somos olhos da Terra. Brotos, extensões. Milhões de bichinhos e seres que povoam a superfície. Eu estava visitando, mas pergunto quem visitava quem.

Uma vez vi uma construção na Índia, com um monte de jóias. Cada uma reflete as outras. É como as pessoas e coisas se conectam.

Somos olhos de Deus. Deus vendo a si mesmo, como o girassol procura a luz. Uma imensa consciência, tentando compreender a si própria.

Olhos da Terra, cada um se espremendo. Tentando encontrar seu par, seu local sob o sol ou sob a sombra.

Somos reflexos de tudo. Carregamos todos com quem compartilhamos nossas vida um dia. Essa compreensão, esse sentimento, podemos chamá-lo de despertar, renascer.

Quando conheço uma pessoa, ela nós dá de presente um mundo inteiro. Isso nem em cem vidas conseguiríamos explorar.

Perdi alguém. Tenho a impressão que quem amava está aqui do meu lado. É mais próxima, bem mais próxima do que as pessoas que parecem estar perambulando por aqui.

O amor tem seus atalhos.

Assim como há horas distantes mais próximas que horas recentes.

Se aquele amor ficar quieto, parece que suas palavras eram cascas de um silêncio dizendo tudo. Que posso chamar de amor.

E foram vários amores, assim como eu apenas fui um dentre os deles.

Para os olhos da Terra, a floresta é uma orquestra. É sinfonia. Ruídos, notas, são crostas que escondem um silêncio de abismo. Que nos diz tudo.

Palavras são compridas demais para coisa tão curta.

Depois que minha avó morreu, sinto ela mais próxima do que quando estava viva. Sinto minha amada distante assim também. Amada, pais, parentes, amigos, todos. Uma sinfonia de cigarras e vaga-lumes.

Pessoas mortas próximas e pessoas vivas distantes, coisa estranha.

Minha avó era olhos de uma terra distante que veio parar pelas bandas de cá. Olhos azuis de uma terra branca. Que agora retorna para outra terra. Terra verde, azul e amarela. Para ficar me acompanhando para sempre.

Para meu espanto, essas ausências não foram tristes. Ah, quanto sofri por nada. Descobri algo fascinante. Que a ausência é o espírito revelado, tirado de sua casca, de suas palavras, de seu corpo constrangido. Para ser atirado em algo muito maior. Que é a voz silenciosa de todos nós. Um uníssono, como os sapos proseando na floresta.

Com os olhos da Terra, vi. Quanto nos agarramos a uma casca, em vez da vida que sai de lá.

É como se minha avó e minhas amadas morassem em mim. E que eu pudesse carregá-las comigo para a eternidade.

Os olhos da Terra também têm sua cegueira temporária. Somos testemunhas oculares. Mentimos com nossos próprios olhos.

Por isso, sinto que somos olhos da Terra, uma parede de ladrilhos. Um mosaico. Onde as pecinhas são aquelas almas com quem um dia colocamos um ponte com a nossa.

Uma rachadura em apenas um daqueles ladrilhos, seria o fim de toda a arte, de cujo mestre ninguém se lembra.

Qualquer gesto bruto partirá a nós todos.

Os olhos da Terra viram surgir os pecados quando surgiram as palavras: eu, tu, ele.

Naquela floresta, percebi muitas coisas. Naquela terra, havia olhos demais para me negar a enxergar. Queira ou não queira, caso até nunca nos encontremos mais, sempre faremos parte de tudo. Assim se construiu um mosaico de amor.

O amor é o brilho dos olhos da Terra. É essa proximidade. Interação. Não sei onde começo e você termina. Uma dança. Um vai-e-vem. Uma gangorra de infância. Um contínuo, que posso chamar universo, Deus, cujo nome não importa mais. Os nomes que as corujas cantam são bem mais doces.

Nomes geraram muitas guerras. Palavras são notas perdidas de uma sinfonia. A memória "daquela música" da infância que nunca esquecemos. Sabemos que houve uma música que toca nosso coração e carregamos ela como parte de nosso corpo. Quem não tem uma, que atire a primeira palavra.

Acho que a expressão máxima de qualquer religião está na música. Não num nome como "Deus" ou "Nirvana". Mas na música.

Notas são olhos de uma terra mágica. A música resvala sobre aquela barreira sagrada de exprimir o inexprimível.

Muito além das palavras, a música nos arremessa naquele reino que vai muito além da vida e da morte. Onde não há mais medo. Pois não há mais sentimentos de vida ou morte, de desejo ou aversão.

Muito além dos conceitos, ela nos joga impiedosamente sobre aquele reino onde nem saquer sabemos se estamos vivos ou mortos: nessa hora, nem importa muito.

Muito além dos olhos da mente, somos arrebatados aos olhos da Terra. Pois até mesmo o universo tem um coração que bate, dizem os cientistas.

Aí sim, entendemos o que é o imortal. O grande maestro. O escultor do mosaico de olhinhos. Esse é o real sentimento do amor, da vida, do divino, de encontro de nós todos.

Por fim, descobri. Em terra de cego, quem tem os olhos da Terra, tem tudo !

-- AWN

Lindo filme!



Índia, 1947, nos últimos dias do Governo Britânico, um estilo de vida está prestes a chegar ao fim. Culturas entrelaçadas são forçadas à separação. Enquanto uma nação é dividida, duas vidas encontram-se numa história profunda e imensa que revela a ternura do coração humano no mais violento dos tempos. Do premiado caxemiriano Vic Sarin, chega-nos Filhos de Deuses Diferentes, uma história de amor intemporal, com os Himalaias como pano de fundo. Determinado em deixar para trás a devastação da guerra, Gian Sing (Jimi Mistry), um Sikh, demite-se do Exército Britânico Indiano para levar uma vida calma, como agricultor. O seu mundo depressa irá agitar-se quando, subitamente, se vê responsável por uma rapariga muçulmana de 17 anos, Naseem Khan (Kristin Kreuk) traumatizada pelos acontecimentos que a separaram da sua família. Aos poucos, resistindo a todos os tabus, Gian apaixona-se pela vulnerável Naseem, que timidamente corresponde.